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Feres Sabino: Brizola tinha razão

“Brizola sabia ler gente”. Essa é a leitura de Darcy Ribeiro, em relação ao homem, que juntamente com ele e Oscar Niemeyer construíram, na primei­ra gestão de seu governo no Estado do Rio de Janeiro (eleito em 1982 e em 1993) 500 CIEPS-Centros Integrados de Educação Pública, ou popularmente conhecidos como Brizolões. Cada um, um verdadeiro complexo educacional, cultural e esportivo, que segurava a criança em tempo integral, com direito a três refeições diárias, nas quais a carne integrava o cardápio necessariamente.

Essa mesma trinca de homens excepcionais criou o sambódromo, a pas­sarela para a qual foi transferido o desfile das escolas de samba. Essa estrutura construída previu o aproveitamento de seus espaços com dezenas de salas de aulas, entre um carnaval e outro. No entanto, essa obviedade de uso racional de espaço público não foi copiada pelos construtores dos estádios de futebol, ofe­recidos à Copa do Mundo de 2014. Hoje, eles variam entre um elefante branco ou casa de fantasmas.


Qual o político brasileiro que construiu tantas escolas e aproveitou espaços públicos para tal finalidade?


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Mas, o pior é que sucessores de Brizola no Estado do Rio de Janeiro rompe­ram com esse planejamento escolar, e deixaram tantas construções ficarem de­gradadas, quando não sem o conteúdo original. Seu sucessor imediato chegou ao capricho de aterrar uma piscina de um dos CIEPS.

Só que a certeza da redenção nacional através da educação não esperou Brizola conhecer Darcy Ribeiro. Essa necessidade da educação é fruto da expe­riência direta do menino pobre, que simultaneamente trabalhou e estudou, em Porto Alegre (eleito Prefeito em 1956), como imigrante do interior, que traçou sua sensibilidade e o iniciou em sua formação, que depois ganharia a dimensão de patriota apaixonado pelo Brasil.

Prefeito, deputado estadual e federal, governador de dois estados, do Rio Grande do Sul (1959), e duas vezes do Rio de Janeiro (eleito em 1982 e em 1993). Como governador do Rio Grande do Sul projetou-se internacionalmente, quando desapropriou a primeira multinacional, a Cia. de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul em 1959, e depois outra, em 1962, que era a Cia. Telefônica, ambas defasadas na prestação dos serviços, o que dificultava o desenvolvimento do Estado. Cada desapropriação seguiu estritamente o rigor da lei, inclusive com auditorias prévias, mas assim mesmo intoxicou as relações com os Estados Unidos. Para o programa da reforma agrária, ele doou parte de imóvel de sua propriedade.

Governador do Estado do Rio de Janeiro, Brizola foi tratado pela Rede Globo, até antes como candidato, semelhante a um aventureiro, um populista despreparado para o cargo. Entretanto, no entremeio dessa artilharia pesada fez um governo exemplar no Rio de Janeiro.

O coronel Carlo Cerqueira, negro, que tentou humanizar a Polícia Militar do Rio de Janeiro, e que acabou assassinado, cumpria o que Brizola assumira no palanque político-eleitoral: “No meu governo a polícia não vai entrar nos barracos aos pontapés, ela entrará como entra em qualquer outro bairro”.
Quantas vezes ele declarou que o Rio de Janeiro não produzia cocaína, nem armas, pois, estas questões pertenciam à vigilância das fronteiras secas ou das rotas marítimas, que não eram competência de seu Estado, mas sim do governo federal.

Na riqueza da vida pública de Leonel de Moura Brizola, a Rede da Legali­dade, formada por ele, em 1961, é inesquecível. Sua voz e sua crença democrá­tica mobilizaram o Brasil inteiro, civis e militares, jovens e idosos, o povo nas praças, contra os militares golpistas que não queriam dar posse ao vice-presi­dente eleito Jango Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros.

O mais perseguido pelo golpe de 1964, exilado durante quinze anos, nunca sua reputação de homem público honesto foi maculada. Não conseguiram, mesmo com as arbitrariedades que cometiam.

Esse episódio da Rede da Legalidade serviu para qualificar-me, como universitário igual aos milhares que naquele agosto/setembro de 1961 ficamos pregados aos aparelhos de rádios, capturando o ânimo e a esperança daquele verbo incandescente, patriótico e desassombrado, em defesa da democracia. Falei disso quando o saudei, na Câmara Municipal de Ribeirão Preto, na entre­ga do título de Cidadania, concedido vinte anos antes.

Impressionante como um país com tais carências não tenha continuidade governamental, impunemente. Como exemplo de governo, pode-se dizer: Brizola tinha razão…

Esse aliás —“Brizola tinha razão” — é o mantra do documentário prepa­rado pela Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualim do PDT, apresentando um resumo de cada episódio gigantesco do avô, relatado por Juliana Brizola e Brizola Neto, com considerações de Carlos Luppi e Ciro Gomes, na comemora­ção de 100 (cem) anos de seu nascimento, dia 22 de janeiro de 1922.

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