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O cancelamento de Cristo

Ser politicamente de direita ou de esquerda deve ser absolutamente normal pelo leque de ideias e de expectativas que povoam a sociedade.

O que realmente se deve esperar e até exigir das pessoas é que tenha espírito crítico, ou seja, olhe ou leia, dialogue, escute, pense comparando e julgue, o que hoje se torna mais difícil de desenvolver, por responsabilidade da tecnologia de comunicação, que se não oferece o prato pronto ao pesquisador, oferece uma linguagem redutora que incentiva mais o interesse do estar resolvido rapidamente, do que a inquietação por querer saber, aprofundar e explicar.

O panorama político local e mundial está abastecido por noções religiosas que nos conduzem da bíblia sagrada de onde flui uma forma de compreensão dessa nova “forma de religião”.

E a palavra de João Cesar de Castro Rocha (Rio de Janeiro, 1965), historiador, pesquisador, escritor, que nos remete ao ano de 2007, quando igrejas evangélicas e pentecostais nos Estados Unidos, com irradiação para outros países, afastaram a matriz teológica derivada do novo testamento, que é Cristo, fonte de compreensão, respeito, misericórdia, perdão, amor, para substitui-lo por outra, agora do velho testamento. encarnado no Rei Davi, que venceu Golias, que conquistou a mulher do soldado Urias, para fazê-lo general e mandá-lo para o front da guerra, para morrer, como morreu. Davi, como comandante de exército, o vencedor de todas as batalhas. 


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Nasce dessa fonte sucessora da teologia da libertação a teologia do domínio, que invade o campo da política, que se caracteriza por ser argumentativo e debatedor. Agora é imposta uma forma de religião com suas regras e normas e apelos religiosos, que não olham e não veem a realidade criticamente. Inoculam na mente das pessoas o que é necessário para que elas não saibam ouvir, pensar criticamente e comparar, dominadas pelo clamar de púlpitos dogmáticos. Eles incutem nas pessoas incautas não só perigos inexistentes como compensação material paradisíaca, a prosperidade material libertadora.

A teologia da libertação, católica, partia da realidade, seus atos e seus fatos, para conscientizar as pessoas, fazendo-as sujeitos da história, na construção de um mundo mais justo. Ela foi perseguida na própria igreja católica. E aquele entusiasmo fervoroso, que nascera com o Concilio Vaticano II, e o Papa João XXIII, esfriou tanto que deu margem a outra teologia. Essa teologia da dominação, cuja força impositiva, as vezes com disfarçada violência, as vezes com violência visível, inoculando na consciência o vírus da intolerância e do ódio. É a teologia da prosperidade, que cancela a solidariedade para qualquer trabalho, é definida somente pela individualidade meritória e única.

O discurso político vira, então, um misto quente com o discurso religioso, com o qual até Tarcísio, o governador de São Paulo, em live recente se apresenta nesse papel de político-pastor. 

Com essa alteração teológica, cuja inspiração fez passar do segundo para o primeiro testamento, a pregação da fé do amor em Cristo, sua tolerância, sua estima e respeito ao outro, seu cuidado com a dignidade da pessoa, elevada à categoria de valor universal, ocorre a substituição de Cristo pelo Rei Davi, o grande comandante de exércitos, fazendo nascer a teologia do domínio, da prosperidade, do indivíduo que dispensa a solidariedade.

Com o domínio como finalidade, qualquer barbaridade ganha foro de normalidade sob a força impiedosa dessa central espiritual. O verbo valido para essa pregação é o do impor, destruir em nome dessa espiritualidade infernal, que é fácil de explicar e fácil de adotar, pela funcionalidade com que ousa explicar as pessoas e as coisas do mundo.

Não é estranho, mas absolutamente razoável, que se tenha tal matriz espiritual para analisar o genocídio atual de Gaza, emoldurado recentemente pela matança de pessoas, mulheres, crianças e homens, que famintos – de madrugada – correram para retirar alimentos de caminhões, quando foram metralhados por soldados israelenses e seus tanques. É o reflexo da teoria e da educação do dominar.

Tão forte é essa teoria do absurdo, que o Ministro da Defesa de Israel declarou, quando entrevistado, ter achado “excelente” a operação-matança, na qual mulheres e crianças constituem a maioria dos cadáveres.

Se analisarmos, essa dicotomia bíblica, fria e honestamente, com a escolha do guerreiro Rei Davi, diante do que foi o governo Bolsonaro e seu legado, não se encontrará nenhum setor em que ele tenha construído algo de bom, tranquilo, já que atuou, permanentemente como destruidor, diariamente difundindo o ódio. Como pregador do ódio, que dispensa prova da paternidade do golpe tentado, proclamou deslavadamente, durante quatro anos, o golpe às instituições, até armando os Centros de Tiro, para serem o exército paralelo do desmonte final do Estado Democrático.

Com essa “forma de religião” o discurso político, por natureza propositivo, crítico ou não, mas civilizado sempre, ganhou o desafio do ódio, da destruição do outro, do adversário convertido gratuitamente em inimigo.

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