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Da glória negra

Nunca imaginei, relembrando o quando a via na televisão, que, um dia, choraria por ela. Sim, a morte comove, independentemente de quem ela escolha e leva. Até a do adversário político merece respeito, pois deixa o espaço vazio, aquele mesmo que era o símbolo de sua trincheira, mesmo que dedicada ao fisiologismo. Afinal, ele morre, não leva consigo tudo que dedicou à matéria, e nos recorda que logo teremos vereda igual, sem nada levar, como é condição essencial desse anjo que aterroriza muitos. A morte dela, no entanto, está na sede daquelas pessoas especiais, que jorram humanidade em qualquer momento da vida, e quando chega a hora fatal e final há uma suave certeza de que ela foi convocada para novas missões. 

A morte não deixa levar, mas não pode influir no que se deixa. E aqui que a pessoa cresce com a projeção de seu mérito, de seu trabalho, de seu esforço e da cor da sua pele. 

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Gloria Maria, toda reconstruída por centenas de depoimentos, nos revela a sua importância no trabalho da televisão, repleto de naturalidade, que foi das entrevistas pessoais e famosas, nacionais e internacionais, até à guerra como a das Malvinas. 

Venceu, no seu espaço, a massa viscosa e cruel do preconceito racial, que não fica emancipado com a sua vida ou da do Pelé, mas denunciam a sua existência enraizada culturalmente, a ponto de fazer com que alguns negros não tolerem negros. 


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O nome dela é Gloria Maria, que o Brasil genuflexo celebra sua trajetória, reconhecendo seu valor pessoal dedicado ao pioneirismo da afirmação social e racial. 

Prendo-me ao trabalho jornalístico assinado pela jornalista Cristina Paglione, na Ilustrada da Folha de São Paulo do dia 3 p.p. Dele se pode retirar episódios do racismo declarado, que intoxica a vida política e cultural do país, como projeção real e concreta da escravidão, que vigorou em nossa história social, por 300 anos, e do qual não conseguimos nos libertar. 

Está nesse texto, a presença de Gloria Maria, como acompanhante do filho caçula de Roberto Marinho, Jose Roberto Marinho de quem foi namorada, e com quem morou, quando jovem. Eles foram ao evento do Country Club. “era o Clube inteiro olhando par aquela mesa …” Eu me sentia como um macaco no zoológico, todo mundo ali, esperando para a hora para dar uma banana”, confirmou ela o episódio, no programa de Pedro Bial. 

Não é exagero registrar essa mentalidade colonizadora das elites brasileiras, que não compreendem a importância histórica da contribuição cultural africana, em nosso dia a dia. É a culinária, é a  música embelezada e esfuziante, são as artes, a literatura, o campo universitário, o esporte.  

Essa mentalidade colonizadora é coerente no seu absurdo, porque tem a consciência e a visão voltadas para o exterior, não querendo compreender a riqueza e a diversidade nacional, para compor uma verdadeira democracia racial, não se escondendo no artificio do “branqueamento”, cujo surgimento só revela o preconceito de não querer ter preconceito, mas até nisso sem convicção. Essa subordinação aos interesses econômicos e estratégicos estrangeiros, elite para elite, impede que o Brasil tenha seu projeto de desenvolvimento, assuma sua história com a confluência do índio, do branco e do negro, e depois com tantas etnias compondo nossa formação. 

E, quando se fala em elite colonizadora, não se pode esquecer da militar, que tem sua contribuição na vida de Gloria Maria, em desprezo pronunciado pelo General João Figueiredo, que a chamava de “negrinha”. E segue: “Quando ele foi indicado, a gente foi fazer a famosa fala dele na Vila Militar em que ele dizia “para de defender a democracia, eu bato, prendo e arrebento”. 

Gloria Maria, a democracia resistiu, recentemente, a violência da barbárie, mas seu pioneirismo continua vitorioso e iluminando o mesmo palco das diferenças sociais, políticas e culturais, e até as mesmas bestas que não sabem vê-las e combatê-las com altivez. 

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