Sessenta anos depois
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POR FERES SABINO | Sessenta anos depois, pergunta-me, de quando em vez, sobre nosso tempo universitário. Minha certeza é que aquela geração se preparava para assumir o país, para fazê-lo justo, soberano e democrático, pois, entre 1946 e 1964 desenvolvia-se um forte sentimento de nação.
Sua interrupção violenta foi o maior crime do golpe militar de 1964. Por conta disso, o afastamento compulsório e violento de seu curso normal fez com que se dispersasse a geração que aprendera a debater política, na sua cidade e no mundo, inicialmente como estudante secundário, e depois como estudante universitário.
Não era uma geração contaminada pela divindade do mercado. Os valores prevalecentes compunham uma utopia, que transpirava valores de ética, democracia, justiça e paz, e soberania da pátria.
O mundo, no plano da política e da ideologia, estava dividido entre dois blocos o capitalismo e socialismo, enquanto a Igreja e alguns padres e militantes da ação católica, acenavam com a doutrina social cristã como instrumento de transformação do mundo, sem violência.
Só que a Igreja da sindicalização rural, que concorrida com os comunistas, depois a Igreja das comunidades de base, depois a Igreja da teologia da libertação, tudo era colocada pela força da estupidez no saco enorme do “pavor comunista”.
O conservadorismo, com seus privilégios, temia os comunistas, como capazes de uma revolução, e com isso o medo calculadamente alastrado de todo espírito crítico o colocava como inimigo da pátria. A lei da segurança nacional do período militar representava esse espírito odiento do adversário nacional convertido em inimigo, confusão igualmente propositada da extrema direita de hoje.
Se a tentativa de golpe de 1961, com a oposição militar à posse de João Goulart ficara adiada, para 64, graças a coragem cívica do governador Leonel Brizola e a mobilização popular, a verdade é que naquele período a tolerância democrática crescente, crescente, envolveu a pregação das reformas de base, numa certeza equivocada que elevou a tensão do ambiente político nacional, pois, elas aconteceriam “na lei ou na marra”.
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Mas, a quebra da hierarquia militar, com a rebelião dos sargentos em Brasília e, depois, dos marinheiros no Rio, roeram, no interior dos quartéis, a posição dos militares nacionalistas, que perderam a eficácia de seus argumentos, favorecendo os golpistas.
A figura de João Goulart, que sempre fizera a política de conciliação, começou a ser criticado até pelas forças que o apoiavam, tomadas pela certeza equivocada das reformas de base na lei ou na marra. Os fatos cresceram e o Presidente não pode coordená-los, já que ficaram maiores do que ele e seu governo. Quando perguntado sobre seu dispositivo militar, viu que ele estava prestes a ruir.
Deixou Brasília rumo a Porto Alegre, quando o Congresso Nacional, em ato de covardia histórica, declarou a vacância da Presidência. Uma vergonha, costurada recentemente, para restaurar a dignidade de nossa representação popular.
No exilio, Jango pensava em seu retorno à pátria, não compreendendo a humilhação com o que o regime militar o tratava, até lhe negando passaporte. Para não dizer das ameaças telefônicas, a ele e à família, depois que na reunião de militares do Cone Sul decidiu-se assassinar líderes políticos, para que não pudessem – quem sabe! voltar aos cargos de mando. Esperava-se a mudança da política externa dos Estados Unidos, com a vitória de Jimmy Carter, como vitorioso ele o foi. Ele recebeu Brizola naquele país pelo tempo definido pelo exilado político.
Jango morreu no exilio, e seu enterro foi autorizado pelo governo militar, mas como uma condição estupida: desde a fronteira do Brasil e Argentina o féretro, que se dirigiria a São Borja, deveria passar em alta velocidade. Aquela cidade riograndense recebeu, como última morada, seus filhos ilustres, e patriotas, Getúlio Dorneles Vargas (São Borja 19/4/1882, Rio de Janeiro 24/8/1954), o construtor do Estado moderno brasileiro, Jango (João Belchior Marques Goulart (São Borja 1/3/1919, Mercedes 6/12/1976) e Leonel de Moura Brizola ( Carazinho 22/1/1922, Rio de Janeiro 21/6/2004) que morreram alimentando um espírito de nação, deixando um patrimônio de civismo e decência, com a bandeira da soberania, da liberdade e da democracia hasteada na história política e social da pátria.
Procurou-se vestígio de assassinato na morte de Jango. Mas, voz amiga dele acredita que a hipótese de assassinato se tomou difícil, já que a saúde dele estava precarizada. Mas, não fica excluída de todo essa hipótese de assassinado, cuja dúvida atroz envolve à morte de Juscelino Kubitscheck de Oliveira ( Diamantina 12/9/1902, Resende 22/8/1976, humilhado pelo militares que até lhe negaram financiamento para cirurgia na próstata.
Quando, hoje, fica estampado no palco político do Brasil, a maioria parlamentar da escumalha ética, vergonhosamente entreguista, traidora, é bom que os brasileiros decentes da atualidade, independente da ideologia que professam, não se esqueçam daqueles que estão no panteão da pátria.