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Feres Sabino: O indulto

A denúncia da Procuradoria Geral da República contra o deputado Daniel Silvei­ra, ex-policial militar, por cinco anos, que se notabilizou pelo mau comportamento, faltas, atrasos, e sobretudo gravações e postagens de vídeos ofensivos na rede social Facebook, também o acusa de “agressões verbais e ameaças graves a ministros que irão examinar inquérito instaurado”, e que “incitou a animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo Tribunal Federal”, e ainda agiu como “tentativa de impedir, com emprego de violência e grave ameaça o livre exercício do Poder Judiciário”. Vê-se com isso que cabe ao acusado o mesmo designativo que o General Geisel destinou ao ex-capitão Jair Bolsonaro: “mau soldado”.

A peça acusatória é minuciosa, em suas 17 páginas, com a transcrições de vídeos absolutamente ofensivos e ameaçadores. E considerando esse espaço disponível, adota-se uma das frases para proceder a essa singela reflexão: “tal ministro do STF deveria ter sua cabeça cortada e colocada numa lata de lixo”. Adveio o indulto presi­dencial. A doutrina diz que indulto é instrumento jurídico de política criminal, para beneficiar uma coletividade. É um perdão da pena. E ainda há requisitos adminis­trativos obrigatórios a serem seguidos. O indulto, geralmente, só é possível depois do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Há quem defenda ser possível o indulto antes do trânsito em julgado, mas para essa hipótese não existe pena. Indultar o que não existe é mais do que um absurdo. Mais ainda: indulto tem uma finalidade de interesse público, ou para diminuir a população carcerária, ou para antecipar a ressocialização do condenado de bom comportamento, que cumpriu parte da pena, por exemplo. O instrumento jurídico que extingue a punibilidade para beneficiar uma só pessoa é o instituto jurídico denominado – graça, que é espécie de indulgência. O indulto, tal como a graça, é um instrumento de política criminal. Ambos são de competência do Presidente da República. Mas, o indulto é coletivo. Lembrem-se do indulto do Natal.

Os militares do governo e o Presidente do Clube Militar apoiaram o indulto, em nome da liberdade de opinião. Evidentemente com críticas ao Supremo Tribunal Federal. Não se apercebem que tais críticas podem voltar-se contra eles, em nome da mesma liberdade de opinião, igualmente sem limites. E essa permissividade pode ser assumida pela cidadania, que até pode proclamar “as cabeças desses militares deviam ser cortadas e jogadas numa caçamba de lixo e se estiverem usando uniforme, que sirvam eles, nos sanitários públicos, para a função igual à do papel higiênico”.


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Conclui-se: o que o deputado declarou é uma estupidez criminosa, e outro absur­do é o que a mesma estupidez forçosamente sugere à cidadania.

A prática na sociedade democrática é a do respeito, entre pessoas e delas em relação às instituições, e o respeito do Estado em relação às pessoas, cujos direitos fundamentais devem ser rigorosamente respeitados por ele, Estado. E a Constituição existe para limitar a atuação de servidores públicos, civis ou militares, pois, eles agem em nome do Estado. A ultrapassagem dos limites pressupõe o desrespeito, às vezes violento, especialmente por parte de servidores com vocação autoritária ou fascista. E constitui ato absolutamen­te desatinado militares e deputados, que prestam juramento de obediência às leis e às Instituições, agirem contrariamente à Constituição. Essa atuação ilícita constitui ofensa à centralidade da Democracia, que é um regime de limites impostos pela Constituição, e que o Supremo Tribunal Federal tem a função constitucional de dizê-la, interpretando-a.

O indulto, na verdade, tem duas vertentes, a jurídica e a política. Juridicamente, se indulto é perdão, deve existir pena, para existir pena é preciso que a sentença transite em julgado. Depois do trânsito em julgado, o Presidente no exercício de sua competência deve respeitar requisitos administrativos, como por exemplo, ouvir o Conselho Penitenciário e o Diretor do presídio. Portanto, o Presidente tem a competência para indultar. Mas, qual o interesse público que possa sustentar a benevolência presidencial no caso do “mau ex-soldado”? Se a finalidade do indulto não tem interesse público, há desvio de finalidade, e desvio de finalidade entra na sede do crime de abuso de poder.

Politicamente, está claríssimo, no caso, ser ele movido preferentemente por mais uma agressão chula, na continuada afronta ao Supremo Tribunal Federal. Mas, há coerência nesse ataque, já que diariamente o atacante ataca, seguindo a diretriz máxima que sempre foi a de priorizar “a proteção dos amigos e da família”, pronunciada naquela reunião mi­nisterial realizada sem desinfecção, no início daquele mês de abril. É uma picuinha com planos de perversidade. É um pito-pitou de quem só não ajudou o ex-militar, suspeito em relação à morte de Marielle, aquele das milícias do Rio de Janeiro, Adriano da Nóbrega, fuzilado na Bahia, pois, sua sina era a de morrer de morte matada.

A competência é do Presidente da República, para o indulto, mas, o Supremo Tribunal Federal pode e deve analisar a (in)constitucionalidade do decreto, e aí a letra fria de um artigo de Constituição é examinado, em relação ao artigo integrado a outro e a outro e a outro, na irradiação integrativa de seus princípios e fundamentos, que incidem sobre regras infraconstitucionais (leis complementares ou ordinárias, e o sistema jurídico em geral), que regulamentam os atos das autoridades e a vida em sociedade. Esse controle é da competência do Supremo Tribunal Federal.

Se crime hediondo, tortura, traficantes de drogas, terrorismo, estão excluídos de um indulto, os que juram cumprir a Constituição e defender as instituições do país, como um deputado ou um militar, eles podem utilizar-se das franquias democráticas, como a da liberdade de expressão, para destruir o Estado Democrático de Direito, ele mesmo que afinal garante tais franquias?

A liberdade de expressão não autoriza a apologia do crime.

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