A Fraude do INSS: Desafios e perspectivas para a previdência social brasileira
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A recente descoberta de fraudes bilionárias no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) reacendeu o debate sobre a vulnerabilidade do sistema previdenciário brasileiro. O escândalo expõe falhas graves nos mecanismos de controle e fiscalização que, se não corrigidas, continuarão comprometendo a sustentabilidade da seguridade social no país.
O INSS e seu papel institucional
Criado pelo Decreto nº 99.350/1990 e regulamentado pelo Decreto nº 3.048/1999, o INSS é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência Social. Sua missão central é garantir proteção aos trabalhadores e seus dependentes por meio da concessão de aposentadorias, pensões e auxílios previstos na Lei nº 8.213/1991.
O instituto gerencia mais de 37 milhões de benefícios mensais, atendendo desde trabalhadores do setor privado até autônomos, domésticos e rurais. Não é exagero afirmar que o INSS opera a maior política de transferência de renda do Brasil, impactando diretamente a vida de milhões de famílias.
De onde vem o dinheiro da Previdência?
O financiamento do sistema previdenciário brasileiro se apoia em três pilares fundamentais, como determina o art. 195 da Constituição Federal:
Primeiro, as contribuições dos trabalhadores, descontadas diretamente da folha de pagamento. As alíquotas variam conforme a faixa salarial, seguindo um modelo progressivo.
Segundo, as contribuições das empresas, que chegam a 20% sobre a folha de pagamento, além de valores adicionais destinados a cobrir benefícios relacionados a acidentes de trabalho.
Por fim, quando necessário, a União complementa o orçamento para cobrir déficits, usando recursos de tributos como a COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
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Contribuintes individuais, facultativos e segurados especiais também participam desse financiamento, seguindo regras específicas da Lei nº 8.212/1991.
Como a fraude começou e se expandiu
As investigações da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União revelaram um dado alarmante: das 11 entidades investigadas no esquema fraudulento, 10 formalizaram acordos de cooperação técnica com o INSS entre 2021 e 2022. Isso sugere que os fraudadores se infiltraram na estrutura institucional, usando parcerias oficiais como fachada para suas operações ilícitas.
As operação “Fake Xeque”, deflagrada em 2023, mostrou como funcionava o esquema: adulteração de dados nos sistemas do instituto, criação de vínculos empregatícios fantasmas e registro de contribuições que nunca existiram no Cadastro Nacional de Informações Sociais.
Chama atenção a coincidência entre a assinatura dos acordos de cooperação e o aumento das atividades fraudulentas. Os criminosos aproveitaram falhas nos sistemas de verificação e a falta de cruzamento de dados entre órgãos públicos para operar livremente.
Segundo relatório da CGU, o rombo nos cofres públicos pode chegar a R$ 6,3 bilhões entre 2019 e maio de 2024 – dinheiro que deveria estar garantindo a seguridade de quem realmente contribuiu para o sistema.
O que o governo propõe para resolver o problema
Diante da gravidade da situação, o governo anunciou medidas emergenciais:
Um pente-fino nos benefícios com indícios de irregularidades, autorizado pela Lei nº 13.846/2019, que criou o Programa Especial para Análise de Benefícios. A implementação de sistemas de inteligência artificial para identificar padrões suspeitos e inconsistências cadastrais, modernizando a plataforma de gestão. Maior compartilhamento de informações entre INSS, Receita Federal e Ministério do Trabalho, amparado pelo Decreto nº 10.046/2019. Ampliação das auditorias internas e monitoramento mais rigoroso das atividades dos servidores que têm acesso aos sistemas de concessão de benefícios. Punição severa dos envolvidos, aplicando as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa e no Código Penal.
Ainda, no âmbito legislativo, a Câmara dos Deputados aprovou em 20 de maio de 2025 o regime de urgência para o Projeto de Lei 1846/25, que proíbe o desconto automático de mensalidades de associações e sindicatos nos benefícios do INSS. A medida é uma resposta direta às investigações que apontaram o envolvimento dessas entidades no esquema fraudulento, que usavam os descontos em folha para desviar recursos.
A tramitação em regime de urgência mostra a preocupação do Legislativo em criar barreiras contra novas fraudes, exigindo que qualquer desconto em benefícios previdenciários tenha autorização expressa do beneficiário.
O que ainda precisa ser feito
As fraudes no INSS não representam apenas um prejuízo financeiro aos cofres públicos. Elas ameaçam todo o sistema previdenciário brasileiro, já pressionado pelo envelhecimento da população e pelo déficit estrutural.
Para que as medidas propostas funcionem, é fundamental que os órgãos de controle trabalhem de forma coordenada e que seja implementada uma política permanente de prevenção à fraude, não apenas ações pontuais.
O caso das entidades que firmaram acordos com o INSS evidencia a necessidade urgente de revisar os critérios para estabelecimento de parcerias institucionais e de fiscalizar essas relações com muito mais rigor.
Proibir descontos automáticos é um passo importante, mas insuficiente se não vier acompanhado de uma reforma estrutural nos mecanismos de controle do INSS. Precisamos de soluções tecnológicas avançadas para monitorar em tempo real as operações de concessão e manutenção de benefícios, além de fortalecer os órgãos de auditoria interna.
Só assim garantiremos que os recursos da previdência social cumpram seu verdadeiro papel: dar segurança e dignidade aos trabalhadores brasileiros e suas famílias quando mais precisam.
Marina Isper é mestranda na Universidade de Ribeirão Preto e pesquisadora em Direitos Coletivos e Cidadania com enfoque em Direito Tributário
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