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Crime contra a segurança pública

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Sérgio Roxo da Fonseca
Procurador de Justiça (aposentado), professor da UNESP, membro da Academia Ribeirãopretana de Letras.

Tais Costa Roxo da Fonseca
Advogada

Relata a história que o Presidente João Goulart foi derrubado no dia 1º de abril de 1964. Uma grande força militar e policial  foi movimentada em todo o Brasil, levando à prisão muitas pessoas supostamente contrárias à instituição do governo militar. Não havia ainda definição legal para sustentar as prisões que começaram a ser presas no dia seguinte, ou seja, no dia 2 de abril de1964.

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Naqueles dias a imprensa noticiou que ocorrera um incidente no aeroporto do Rio de Janeiro, envolvendo um ministro do Supremo Tribunal Federal e um general. Este último não se conformava com a expedição de “habeas corpus” pelo Poder Judiciário em favor dos supostos adversários do governo.


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Em Ribeirão Preto, durante o mês de abril, os estudantes  convocaram os jogos universitários que periodicamente tinham como cenário a Cava do Bosque. Durante uma partida, vários jovens passaram a distribuir panfletos homenageando o ministro do Supremo Tribunal Federal. Os policiais em serviço conseguiram prender um dos estudantes e apreender seus panfletos.

Era menor de idade. Foi ele arrastado para a saída principal do estádio para que pudesse identificar quem o contratara para “cometer aquele crime contra o Brasil”. Aquela criança, que tinha uns 10 anos, reconheceu o estudante universitário, matriculado na UNAERP, Sidnei Torrecilha, afirmando que dele havia recebido aqueles panfletos. O Sidnei foi submetido à prisão em flagrante acusado de ter cometido crime contra a segurança nacional.

Naqueles dias o dr. Caio Magri e eu ajuizamos “habeas corpus” em favor do nosso amigo preso sustentando que inexistia crime nenhum no ato de distribuir panfleto bendizendo o Supremo Tribunal Federal. O “habeas corpus” foi distribuído para Primeira Vara de Ribeirão Preto e foi apreciado pelo Juiz de Direito de Sertãozinho que ali estava de plantão. O Juiz de Direito indeferiu de plano o pedido de “habeas corpus”.

Iniciada a instrução, o Sidnei foi levado a pé e algemado para o fórum guardado por dois soldados. Caminhando pela Rua Duque de Caxias foram surpreendidos pelo dr. Romero Barbosa, advogado e nosso professor de história que ordenou a retirada das algemas do seu aluno. Os policiais tiraram as algemas do Sidnei.

Na sala de audiência de instrução,  um número grande de professores e alunos fizeram-se presentes. Lembro-me bem do dr. Miguel Gonçalves da Silva e dos alunos Rubens Ely e Sidnei de Oliveira que, anos depois, tornaram-se juízes de direito.

Foi então ouvido o jovem estudante que distribuía os panfletos na presença do Sidnei sentado no banco dos réus ao lado de dois policiais armados. O jovem identificou o Sidnei como a pessoa que lhe entregara os panfletos proibidos.

Percebi que o jovem era muito esperto e que o Sidnei fizera  a barba para vir à audiência. Assim, perguntei ao jovem se o responsável pela entrega dos panfletos “usava barba ou não naquela noite da Cava”.

O jovem fixou os olhos no Sidnei e identificando-me como seu defensor, resolveu incriminá-lo. Mentiu. “Sim, usava barba”. Em seguida todas as testemunhas de defesa confirmaram que o Sidnei nunca usara barba  em toda a vida. Foi ele absolvido.

A Justiça absolveu o réu não por defender o Supremo Tribunal Federal, mas, sim, porque jamais usara barba!

O nosso amigo Sidnei Torrecilha foi a única pessoa julgada por crime contra a segurança nacional em Ribeirão Preto, tudo porque imediatamente foi alterada a lei e todos os acusados desta prática acabaram sendo presos, processados, julgados e condenados em São Paulo, mesmo quando, por absurdo, demonstrassem que haviam praticado o ato acusatório em Ribeirão Preto.

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