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O inconsciente e o processo

Sérgio Roxo da Fonseca
Advogado, Procurador de Justiça e professor (aposentado).

Tais Costa Roxo da Fonseca
Advogada

O Dr. Alexandre Fontana Berto recentemente lançou um livro de extraordinária radicação jurídica com o título “O INCONSCIENTE NO PROCESSO”, Editora Dialética.

Há pouco mais de dois séculos, os mais festejados mestres da ciência jurídica afirmavam que a norma legal apresentava-se sempre trancada por todos os lados de sorte que não podia sofrer a influência de nenhuma outra área do conhecimento humano.


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Não era o que se pregava num passado mais distante, como o que sucedia no âmbito do Direito Romano que, ao menos no âmbito privado, converteu-se na chave do direito do apelidado “mundo ocidental”.

Bastaria recordar de uma regra clássica do “Corpus Juris Civilis” que, muito embora reflita o Direito Romano, os historiadores não se esquecem de que tendo nascido em Roma, posteriormente foi reescrito no mundo oriental, ou seja, em Constantinopla (hoje Istambul), quando ainda era capital do Sacro Império Romano do Oriente – também conhecido como Império Bizantino. É possível retratar um texto conhecido.

O texto de Ulpiano, notável jurista romano, conceituou o que é o direito da seguinte forma: “Jus est ars boni et aequi: honeste vivere, cuique tribuere, neminem laedere”, ou seja, “o direito é a arte do bom e do justo: viver honestamente, dar a cada um o que é seu, não lesar ninguém”.

Extrai-se do famoso texto que o direito é uma arte e não objeto de um conhecimento da “ciência pura”. Ao contrário os grandes mestres do Direito Positivo batalharam dizendo que a norma ou é somente jurídica ou não é norma jurídica, como professava Hans Kelsen: “A ciência jurídica procura apreender o seu objeto “juridicamente”, isto é, do ponto de vista do Direito” (Teoria Pura do Direito, Editora Martins Fontes, p. 79).

Na fase em que se encontra o conhecimento da história humana, impossível se torna dizer que possa existir um conhecimento científico dotado de uma pureza pétrea.

A obra do extraordinário mestre Alexandre Berto não apenas sustenta como redefine a incidência da norma jurídica pelo caminho da psicanálise, desde os passos dados por Freud para finalmente ingressar na conivência dos homens remarcada pelo seu inconsciente.

Seria possível hoje compreender que uma norma jurídica possa sobreviver despida do inconsciente e também dos mais diversos conhecidos e desconhecidos operadores humanos e  sociais? Parece que não.

A ciência que revelou uma quase semelhança entre consciência e a inconsciência humana ensejou o aparecimento de uma  universal operação da linguagem tendo influência não apenas sobre o nascimento da lei abstratamente considerada como também da lei concretamente aplicada.

Neste sentido lecionou o Ministro Sidney Beneti, como mestre da magistratura universal, em  seu livro “À Margem dos Autos”, Editora Migalhas, 2023, p. 20/21: “Eficazes e poderosas, entre tantas, as cordas, amarras, redes, anzóis,  e visgos do processo. Da fonte autônoma do bem valioso – a certeza jurídica – desbordando tanto como autônoma geração dos males… Sumidouro dos direitos, secador de energias, verdugo do proclamado pela lei substantiva – perdão: pela lei material”.

Os nossos tempos contornam a impossiblidade da existência de qualquer área do conhecimento humano rigidamente laqueada de qualquer influência de outra espécie próxima ou distante de sua ciência.

A obra do Dr. Alexandre Berto é uma obra prima ao colocar no plano do debate jurídico a influência sobre ele derramado pelos relevantes estudos da psicologia. De ontem e de hoje. Trata-se, repito, de uma obra prima.

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