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A lição da juíza sobre o sistema penitenciário

A execução das condenações penais, no Brasil, tem uma lei específica datada de 11 de dezembro de 1984, que, mesmo antes da Constituição de 1988, já consagrava o respeito devido às pessoas encarceradas, como preceito da política dos direitos humanos fundamentais, e cujo objeto era, como é, “propiciar condições para a harmônica integração social do condenado ou internado”. Houve óbvia recepção dessa lei pelo novo texto constitucional, já que até coincide com o que estabelece, o seu artigo 5º, item XLIX: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

No obstante o tempo decorrido, não aconteceu o aprofundamento dessa consciência humanística, nem individual e nem coletivamente, sendo que, recentemente emergiu um discurso de ódio, quando até torturadores e a tortura foram oficialmente homenageados, impunemente.

Entretanto, nosso compromisso não é com a barbárie, e o discurso do ódio circulou despudoradamente, sem mesmo imediata e eficaz advertência para anteceder a  necessária punição.

O sistema penitenciário estava e estará sempre abarrotado de seres humanos, amontoados e à disposição das organizações criminosas, que sabem como convencer seus potenciais e novos adeptos, seja pela imposição do medo ou pela proteção no interior dos presídios, seja pela concessão de favores, especialmente em relação às famílias dos condenados.


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A população carcerária, no final do ano de 2022, atingiu o numero de 832.295 pessoas, que comparado com o ano de 2000 subiu num percentual de 257%.

Assim, a internação feita sob o preceito genérico da ressocialização de quem cometeu um delito é absorvida pela realidade cruel e desumana, que faz daqueles que se salvam verdadeiros heróis. Afinal, há tanta “sobrepena”, que é difícil a pessoa sair pronta para ser integrada à sociedade, que seguramente o vê ainda como um condenado. Basta imaginar uma cela na qual cabem 10 pessoas e que são ocupadas por 20, sem a possibilidade de uns e outros terem a sua individualidade preservada em cela própria, aparelho sanitário nela, como está no figurino da lei de execuções penais.

O discurso político ignora essa realidade brutal, como se cada um de nós, em regra, não pudesse cometer qualquer delito, nas mesmas condições de temperatura e pressão, e pela óbvia e irrespondível irmandade nossa, definida por nossa humanidade comum.

A política de encarceramento, como principio de necessidade salvacionista, massifica a condenação, não diferenciando o crime de pequeno potencial ofensivo do outro com potencial ofensivo grande, sendo que este último é que justificaria  a prisão.

Mas nossa sociedade é desigual e preconceituosa.  A escala social da sociedade que reúne  negros, pardos e pobres, componentes da maioria da população prisional, são tratados com discriminação, que se apresenta frequentemente até de forma dissimulada.

Essa realidade desponta, outra vez, na pauta sempre atual do debate, consciente e honesto, quando Juíza federal surge, provando um esforço real de política criminal mais humana, dentro das leis, evitando com isso a brutalidade do encarceramento. Seguramente adepta de penas alternativas, onde possa.

Trata-se da juíza federal Simone Shreiber do TRF-2 do Rio de |janeiro, professora de direito processo penal, desde 1995, e que a Folha de São Paulo estampa em entrevista, na sua edição do ultimo dia 24 de setembro.

Ela confessa que “não sabe dizer ao certo de onde veio a sensibilidade social pela qual é destacada por amigos e colegas de profissão. Na leitura da vez, um livro de crônicas de Clarice Lispector ela diz ter se identificado quando  a escritora conta que resolveu estudar direito sem saber por qual motivo, mas ter na questão penitenciária a sua motivação”. Ela, por isso, soube sair em busca de saberes diferentes, indo até ao Complexo da Maré no Rio de Janeiro, e buscou diálogo com as Mães de Manguinhos.

O complexo da Maré é composto por 17 comunidades, com população de 140 mil pessoas. Quanto às Mães de Manguinhos, elas formam um Coletivo que ocupa um espaço de acolhimento de mulheres, geralmente negras, vitimas da violência do Estado. Só em 2019 morreram, no Rio de Janeiro, 1810 pessoas como vitimas da violência estatal.

A Juíza Simone é um exemplo de que o diálogo com  diferentes pessoas e categorias sociais constitui um ensinamento para a realização de uma justiça legal, mais humana. O que significa menos encarceramento.

Tem-se com isso, de um lado, uma visão do que deveria ser objeto permanente de uma política de Estado redentora, que procurasse desfazer as discriminações sociais, e de outro a autoridade individual judiciária se dedicando a fazer da aplicação do sistema criminal uma aplicação obrigatória de diálogo, bom senso e humanidade.

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