Depois de vinte anos, a justiça declara: é inocente
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POR FERES SABINO | Se pode ser verdade que a justiça tarda, mas chega, o fato é que vinte anos de luta para se chegar a ela, especialmente depois de injustamente condenado e cumprido um pedaço da pena, depara-se com o estrago pessoal, familiar, moral, político, social, já consumado, pelo longo tempo percorrido e esvaziado dentro do pau da barbárie, quando fantasiada de justiça.
As pessoas que receberam as notícias repetidas, algumas com o prazer de maldade ou com o ódio preconceituoso projetado na política, receberam-nas, muitas das quais não viveram o suficiente para assistir a redenção do acusado, após sentença judicial que, em si mesma, denuncia do que é capaz o aparelho jurídico quando dominado por sentimento negativo que impede a cuidadosa investigação da verdade.
Assim, penso, aplaudindo a absolvição do José Alfredo de Carvalho, ex-vereador e ex-Secretário de Esportes de Ribeirão Preto, na gestão Palocci, e tratado com a maior desconsideração e desprezo pela gestão sucessora, que sonegou documentos que dariam a completude da prestação de contas de sua Secretaria, absolutamente correta, como ficou comprovada, depois de vinte anos.
Nesse percurso longínquo José Alfredo foi preso, por duas vezes, em presidio de segurança máxima, com os mais qualificados e perigosos bandidos, que dentro de qualquer presidio estabelecem o reinado nu do mais forte. Quem é capaz de esquecer uma experiência como essa, sabendo de que agira corretamente e que fora condenado displicentemente?
Acompanhei o capricho desse absurdo, e celebro que, em vida, pôde ele receber a palavra judicial de sua honestidade. A palavra da justiça não apaga assim simplesmente sua alma machucada, suas dores, suas lembranças sucessivas geradas pela maldade. Afinal, a vida não é uma areia movediça, que engole o infeliz sem considerar lembranças, amores, familiares, amigos e saudade. Ela é pior ainda quando movida pela sucessão de caprichos covardes. Ela – a maldade – circulou na arena da política, onde as paixões e os interesses subalternos ficam à flor da pele. E, no caso, surpreendeu com sucesso o político dedicado, solidário, honesto, em plena ascensão de sua vocação política, para desmereça-lo e colocá-lo na sarjeta da desonestidade inexistente, e não permitir em sua intensidade que houvesse correção a tempo e a hora.
Creio que no presidio de segurança máxima, e mesmo na solidão de pessoa injustiçada, em qualquer espaço que ocupe esteja ou não acompanhado, de repente aquela voz daquele homem pomposo, verboso, que no seu voto de condenação desembargadora, distante da verdade e dos autos, ignorante da sacralidade do valor ético-jurídico da dignidade de qualquer pessoa, de qualquer credo político, pronunciou a voracidade antropofágica – “Ele trabalhou com o Palocci” –, certeza dirigida ao acusado, mas contendo a possibilidade expansiva para atingir quem tenha participado daquele excepcional trabalho político-administrativo da primeira gestão, que teve seis secretários do PSDB, como eu, compondo o Secretariado daquela gestão, e na qual o vice-Prefeito era o nosso Joaquim Rezende, do nosso Partido.
Nossas instituições não têm a força ética para punir de imediato e exemplarmente, especialmente quem tem o dever funcional de ser imparcial, em seu julgamento. É quase uma regra, ditada pela solidariedade corporativa, um tal de se ficar em silêncio, diante do dever molenga, que em qualquer espaço público oferece o espetáculo do absurdo e da barbárie, até condenando à prisão um inocente.
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Mas, a generalidade não é a mãe da justiça. Há homens e mulheres que assumem a dignidade da toga e se dispõe a distribuir a justiça, com o esforço quase heroico da imparcialidade. Infelizmente, diante do vírus canalha, no começo da acusação contra o José Alfredo de Carvalho, não surgiu essa sequência de homens e de mulheres. Mas, depois, lá longe, depois de muita dor, lágrimas e vergonha, festejamos a ordem que autoriza a expansão da alegria, que no momento é que mais interessa, nessa declaração pública de inocência.
A pessoa honestamente indignada pergunta, como aconteceu esse verdadeiro milagre? O Superior Tribunal de Justiça julgou um dos habeas-corpus e anulou tudo, para que se fizesse a necessária perícia. Perícia se fez, e centenas e centenas de documentos, centenas e centenas deles, todos eles, examinados, conferidos, um a um, um a um, despesa e pagamento, despesa e pagamento, tudo ali, certo, sem dolo, sem ilícito, sem crime.
Acompanhei o absurdo desse capricho…