1964, na Faculdade
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Estávamos no último ano daquele fatídico 1964, de nosso curso de Direito, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Rui Flavio Chúfalo Guião, Miguelson David Issac, Frederico Engenheer e eu.
No ano anterior, para vigorar no que estávamos, a disputa eleitoral fora acirrada, entre a direita que se formara e se apresentara e os democratas, o que determinou a frente ampla composta pelos partidos Independente, Renovador e Socialista, para a disputa da Diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto. Nela João Miguel foi o primeiro (Independente), o Miguelson (Renovador) foi o segundo, eu o terceiro (candidatura independente), Victor Siaulis (socialista e Presidente da Academia de Letras), o quarto.
Acontecera que o general, que depois, ele mesmo se qualificou de “vaca fardada”, saiu com as tropas de Juiz de Fora, e aconteceu o golpe, com ajuda norte americana.
João Miguel estava em Brasília, falando na Rádio Nacional, quando foi preso. O Miguelson assume a Presidência em exercício, como Vice-Presidente eleito, e faz uma proclamação, que se inscreve na história da resistência brasileira.
O manifesto tem o seguinte teor:
“O Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito do Largo São Francisco vem denunciar ao povo paulista o golpe que o nosso governador do Estado, aliado de Magalhães Pinto, banqueiro, e Lacerda, o eterno golpista, trama contra a democracia.
“Esses governadores, que babujam em defesa da Constituição quando se trata de elaborar reformas que libertem nosso povo, golpeiam, agora, covarde e vilmente, a nossa Carta Magna, querendo depor o Presidente da República, querendo separar o sul do resto de nossa Pátria.
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“Repudiamos esse atentado, que, inclusive, tem aquele objetivo nitidamente separatista.
“Só existe um só Brasil – é o do povo brasileiro, cujo Presidente, legal e constitucionalmente empossado, é sua Exa., o dr. Jango Goulart.
“Não compactua o Centro Acadêmico Onze de Agosto com os inimigos do povo. Fiel as nossas tradições democráticas, mantemo-nos ao lado da legalidade. E nesse momento só há uma legalidade é a corporificada no governo federal, do Governo da República, cujo chefe, por decisão do povo, é João Goulart.
“Alertamos, de outro lado, que a Diretoria do Centro Acadêmico está vigilante, não admitindo que elementos tendenciosos se manifestem em nome dos estudantes de Direito. Advertimos, portanto, a população a respeito dos boatos divulgados por indivíduos ligados ao a governadores golpistas, com intuito de confundir a opinião pública, que o Onze de Agosto apoia os separatistas, o que não é verdade, conforme asseveramos acima.
“Paulistas, a palavra de ordem é: pela federação! Pela Legalidade. Pelo Brasil! São Paulo, abril de 1964. Miguelson David Issac”.
Esse documento estava nos arquivos de Sidnei Benetti, nosso contemporâneo, que o enviou para a lembrança emocionada de todos.
Miguelson, fiel a seu juramento público, se tornou depois o grande advogado trabalhista que foi e é, teve o reconhecimento da classe, que colocou o nome dele na sede da Associação dos Advogados de Ribeirão Preto, da qual foi seu Presidente; e permaneceu aprisionado, para sempre, nos limites em expansão, do postulado democrático aprendido em seu tempo de jovem estudante, que foi e fomos.
O Brasil pagou e paga um preço altíssimo pelo golpe de 1964 que durou vinte anos; depois veio a anistia que perdoou torturadores, inclusive. Seu efeito perverso gerou a escumalha, sinônimo de ralé ética, que recentemente preparou a invasão do centro do poder democrático, preparou o caminhão bomba para explodir próximo ao Aeroporto de Brasília, preparou a matança de autoridades, numa articulação de quatro anos, disseminando a narrativa do ódio e descrédito das nossas Instituições e Poderes, e abarrotando os Parlamentos, Câmaras Municipais, Assembleias Estaduais, Câmara Federal e Senado Federal, com aquela ignorância que não se aceita, e se revolta, sabendo só xingar, e não tendo a mínima noção de dignidade nacional, soberania, consciência de cidadania. E estimula bandeiras estrangeiras, celebrando-as, em sua movimentação de rua; e pior, permanece solidária com a traição do Brasil, feita por despudorado deputado federal, lá nos Estados Unidos, ainda financiado por nosso dinheiro.
Aquela longínqua Esperança, nascida no jardim de pedras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, como protesto, permaneceu e permanece acessa, como propósito da vida, companheira de tribunas e trincheiras comuns e sonhadoras.

