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ENXERGAR SEM VER

Sérgio Roxo da Fonseca
Procurador de Justiça e professor universitário (aposentado), advogado

Tais C. Roxo da Fonseca
Advogada

Os estudiosos identificam cinco quadros clássicos como os mais notáveis da história da arte. A ver: a) “A Ronda Noturna”, de 1642, pintado por Rembrandt, exposto no Museu Rijsmuseum, em Amsterdam; b) “Escola de Atenas”, de 1510, obra de Rafael Sanzio, peça da Biblioteca do Vaticano; c) “La Gioconda” ou “Mona Lisa”, de 1503, obra de Leonardo da Vinci; d) “O Enterro do Conde de Orgaz”, de 1587, pintura de El Greco, Igreja de São Tomé, Toledo e) “Las Meninas”, 1656, obra de Velásquez, que se encontra no Museu do Prado.

O mais admirado desses quadros é a “Mona Lisa”, sendo certo, no entanto que a obra clássica mais comentada em nossos tempos, seja pelos aplausos de Picasso, Manet e Goya, seja pelo filósofo Michel Foucault, seguramente é “Las Meninas” de Velásquez. Vale a pena registrar que Foucault, no seu livro “As Palavras e as Coisas”, dedica sua reflexão tomando quase o primeiro quarto de sua obra, comentando “Las Meninas”. Os símbolos transmitem o que sua forma expressa?


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É possível alguém ver alguma coisa sem conseguir enxergar ? Ou, quase ao contrário, enxergar alguma coisa sem conseguir ver a sua intimidade?

Já no título, Velásquez confunde o expectador. Como “Las Meninas” se o quadro documenta a Espanha país no qual “Las Meninas” é “Las Niñas”? Mas a questão gramatical não é a mais espinhosa.

 

Como quase sempre em sua obra, Velásquez edifica sua arte reproduzindo seres em movimento. Ao contrário de quase todos seus contemporâneos que reproduzem pessoas e objetos paralisados.

Velásquez pinta duas meninas conversando; um cão acordado sendo chutado pelo ”bobo da corte”; um homem que sai ou entra numa sala; e ele, o próprio Velásquez, pintando um quadro que o apreciador vê apenas suas costas e não enxerga a sua face. Mas qual o sentido do quadro, se eu enxergo a suas costas e não vejo a sua face principal?

 

O Velásquez pintado olha para nós que estamos fora do quadro. Estaria ele pretendendo, em 1656, surpreender o apreciador de hoje, com o objeto oculto do seu trabalho?

As paredes da sala pintada estão quase todas cobertas por outros quadros.

Na parede, ao lado da porta que ilumina os fundos, há apenas um quadro iluminado. Mas é o que se vê? Ali não se encontra um dos quadros do quarto dos quadros. O que se enxerga, sem perceber, é que não se trata de um quadro, mas sim, de um espelho que reflete a figura do rei e da rainha da Espanha, que estavam fora do quadro, quando da sua pintura! Eles estão no espaço fora da pintura? Não. Um dia estiveram! Não estão mais porque agora somente se vê o que não se enxerga nas costas do quadro que Velásquez está pintando! Perdão, do quadro que Velásquez pintou em 1656. E não está pintando mais? Então qual é o objeto da pintura que eu vejo, mas não decifro?

Enxergo o que não vejo? Vejo o que não enxergo?

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