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O orçamento secreto, a chantagem não escrita e a omissão sem lei

A história parlamentar desses últimos quatro anos ganhou uma vergonha insuportável. Foi criado o chamado orçamento secreto, que coloca nas mãos do Presidente da Câmara uma fábula de bilhões de reais, para distribuição aos parlamentares que estejam alinhados com ele nas votações do plenário e nas das comissões.

Essa dinheirama toda coloca o Presidente da Câmara como verdadeiro “imperador”.

Admite-se que tal benefício teve a concordância do Presidente da República e de seus servidores, não só pela ascensão do chamado Centrão à intimidade do Poder Executivo, como especialmente pelo fato de existir mais de cem pedidos de impeachment do Presidente da República. Sintomaticamente o presidente da Câmara não arquivou nenhum, e com isso o poder de barganha ficou desigual, pois a ameaça de deflagração do processo de afastamento do Chefe do Poder Executivo se tornou instrumento de chantagem equiparada à “chantagem atômica”. Afinal, um só pedido deferido pelo prosseguimento já seria um estrago.

O presidente da Câmara sentou-se sobre tais pedidos, e os cidadãos requerentes continuaram indignados. E a Ministra do STF decidiu, individualmente, que não há lei para obrigar o Presidente da Câmara, num determinado prazo, a dar prosseguimento ou arquivar tais pedidos. Na verdade, ela criou a extravagância de um espaço livre para que a autoridade deite e role. Ora, se não existe tal lei, também não existe lei abonadora da omissão. E como o sistema jurídico obriga, necessariamente, que autoridade ou servidor publico só atuem devidamente autorizados por lei, está desenhado o mapa do absurdo jurídico-político.


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A ilustração que pode ser comparada é com os Magistrados que não podem deixar de decidir por falta de lei. Eles encontram no sistema jurídico as fontes que devem utilizar para obrigatoriamente decidir, como os princípios gerais de direito, assim os costumes, etc. Não podem deixar de decidir. E, no caso do Presidente da Câmara, os princípios constitucionais, explícitos e até implícitos, serviriam de fundamento para a obrigação de decidir pelo arquivamento ou pelo prosseguimento.

O orçamento secreto, como força de chantagem do Presidente da Câmara, a submissão do Presidente e de seus aliados à ameaça de um deferimento de um dentre centenas de pedidos de impeachment, a decisão individual do STF, avalizando a omissão do Presidente da Câmara, tornam impossível a invocação do princípio da proteção da confiança nas instituições, e por força dessa carência grassa no total da população uma descrença raivosa, criando a ilegitimidade delas.

Mas existem outros efeitos perversos. A distribuição de verbas aos deputados, que já contam com o dinheiro das emendas individuais, revoga a racionalidade do planejamento global, para obras e investimentos, prevista na Constituição. A cada deputado é deferida a distribuição de verba pública, sem fiscalização efetiva, obedecendo preferentemente não o interesse publico, mas o interesse pessoal da sua reeleição, destinando alimento para o território de seus eleitores ou abrindo espaço para novos noutra região. Quebra-se a lógica constitucional do orçamento público, que é a lei fundamental do Estado Democrático de Direito. Outro efeito deletério é o comprometimento do sistema de rotatividade do poder na democracia, já que os novos candidatos a deputados encontram barreira intransponível nas vantagens extravagantes dos deputados em exercício de mandato.

Se ficamos quase indiferentes a esse abuso tornado lei (inconstitucional), misturado com a política do ódio, temos o mapa grave do que precisamos para reconstruir o Brasil.

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