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Sérgio Roxo: Além da Dor Infindável

Sérgio Roxo da Fonseca
Procurador de Justiça Aposentado

Como a existência é finita, o homem passa por ela caminhando pelos caminhos da felicidade, como também pelas pedregosas veredas da dor. No primeiro estágio, os dias e as horas voam deixando escapar pelos vãos dos dedos os momentos de alegria. Ao contrário, ao galgar o seu calvário, o tempo é contado em segundos lentos e demorados.  A humanidade, com certeza, navega hoje pelo caminho da dor incomum e absurda, como aquela enfrentada pelos navegantes portugueses que descobriram o mundo para o mundo. Vale a pena invocar Fernando Pessoa, no seu poema “Mar Portuguez” (que escrito com a letra “z”), para compreender o presente com as lentes apuradas no passado. 

O poeta registrou que mesmo navegando pelas águas traçadas pelas forças infernais, “tudo vale a pena se a alma não for pequena”. Vencendo perigos inimagináveis, os navegantes descobriram o mundo para o mundo, tendo até mesmo que passar além do Bojador. 

O Bojador é cabo marítimo pedregoso, que se encontra ao leste da África. As ondas do mar batem até hoje nas pedras do Bojador, transformando-se em densa neblina. Na época das antigas navegações, os marinheiros acreditavam que a terra era plana e que a África terminava no Bojador, onde ali o mar derramava suas águas nas chamas do inferno que antão eram fervidas, transformando-se na neblina que obliterava a visão de quem se atrevesse a atravessar. Pudera! Ninguém poderia ir além do Bojador porque fatalmente cairia nas caldeiras do capeta. Assim todos acreditavam que o continente africano terminava no sul de Marrocos.  


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Um navegador português, Gil Eanes, em 1434, pouco antes da descoberta do Brasil, acidentalmente ou não, lançou seu navio pelo meio da fumaça do Bojador, ameaçando encerrar o seu destino e dos seus marinheiros no braseiro infernal.  

 Para surpresa deles e da humanidade, o barco de Gil Eanes atravessou a neblina, continuando a navegar em seguida pela costa africana. A terra não era plana e a água do Bojador não despencava no inferno. Gil Eanes voltou a Portugal e anunciou para o seu rei que além do Bojador a terra continuava em busca dos seus destinos. Tornou-se herói. 

O poeta Fernando Pessoa registrou que, por essas razões, as águas do mar foram salgadas pelo pranto das mulheres portuguesas que ali perderam seus maridos e noivos. Quantas “mães choraram, quantos filhos em vão rezaram, quantas noivas ficaram por casar”.  

Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. “Quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor”. 

Mas as águas do mar, por nenhuma razão, devem ser transformadas no túmulo dos sonhos das mulheres e das mães portuguesas? É possível desvendar outro mistério da caminhada ou da navegação: “Deus deu o perigo e o abismo ao mar, mas nele é que espelhou o céu”. 

“Baste a quem baste o que lhe basta o bastante de lhe bastar”, pois, ä vida é breve, a alma é vasta! Ter é tardar”. 

A humanidade navega hoje nas proximidades de um perigo desconhecido e mortal, cega pela neblina nascidas nas águas enfumaçadas, sem conseguir saber onde se encontra o limite do seu pesadelo, nem no bastante de se bastar. Quem quiser ir além do Bojador “tem que passar além da dor” para perceber que após os terríveis momentos, a viagem encontrará o rumo indicado por Fernando Pessoa, ao descerrar as cortinas do mistério dele e do nosso.  

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