O General contra a anistia
A morte do Presidente Getúlio Vargas, no dia 24 de agosto 1954, assediado por pressões políticas e militares que o levaram ao suicídio, agravou momentaneamente a crise institucional, porque o povo foi às ruas em protestos pelo país todo.
A divisão das Forças Armadas era marcada pelos militares getulistas – reconhecidos como nacionalistas, que viam naquele cadáver o Presidente que legislara para os trabalhadores, iniciara a industrialização do país, especialmente em setores estratégicos – e os não getulistas.
Era necessária a unidade ou a pacificação dos militares, para iniciar a composição do governo.
A escolha foi-se afunilando até chegar ao general Henrique Batista Duffles Teixeira Lott (1894-1984), cuja personalidade era conhecida de todos os escalões, já que praticamente passara por todos os órgãos técnicos, escolares, de comando, e que fizera sua carreira como um homem dedicado à farda e ao cumprimento das leis, e sempre imparcial. Uma única vez saíra dessa distância político-ideológica, quando assinara o manifesto dos Generais, que entendiam que Vargas deveria afastar-se do poder.
Lott, que morreu Marechal, mas sem honras militares, converteu-se no centro do apaziguamento militar, por ser honesto, integro, decente, cumpridor das leis, e obediente à Constituição, reconhecido até fora dos quarteis. E ele tinha preocupação com o desenvolvimento nacional e com a situação social do país. Um exemplo tão necessário, hoje, quando somos surpreendidos, pelos egressos da ditadura militar, beneficiários da generosidade da anistia, que saíram dela, ou para serem políticos, ou, como os ex-torturadores, irem dominar o mercado negro das drogas. Um até chegou à Presidência da República, levando à família para o promissor campo da política partidária do dinheiro fácil e do Poder, que, deturpado e pervertido, transformando as instituições do Estado em esconderijo provisório, protetor e garantidor, das façanhas de filhos e amigos.
- Publicidade -
Esse arroto de bandalhos da República fez do Palácio do Planalto, não só balcão de mercancia e o esconderijo da propagação diária do ódio, como um centro de planejamento do golpe e da destruição do Estado Democrático de Direito, para o que deveriam matar Alexandre de Moraes, Lula e seu Vice Alckmin, algo absolutamente estupido e absolutamente insuportável e inimaginável até na história barulhenta da República.
Se, atualmente, a indignação se amplificou com a descoberta dos câncer ético e cívico, o fato é que conhecemos a certeza de que na divisão das Forças Armadas, a sua grande maioria, não aceitou a execução, até iniciado, do golpe sangrento que se avizinhava.
Assim, naquela época, pela consciência do interesse da pátria, da pátria democrática, emerge a figura ética do militar exemplar, que foi o general Lott, um defensor intransigente da hierarquia, como fator de sua credibilidade e de força moral perante a comunidade. A integridade ética como fiadora da convivência democrática.
E para essa época atual em que se assiste à pregação enganosa a favor da anistia dos mercadores do interesse da pátria, e dos violentos destruidores dos prédios símbolos da República e da Democracia, numa continuação surpreendente da pregação odienta de quatro anos, eles querem fazer comparação com a anistia concedida a militares, que se revoltaram contra a posse de Juscelino Kubitschek, com os movimentos de Aragarças e Jacareacanga, que jamais atingiram as proporções desatinadas de 8 de janeiro, com a sequência de atos terroristas anteriores e posteriores.
Mas, o que é importante entre esses dois episódios históricos é justamente a atitude de Lott.
Ele, Lott, sabia e cuidou de não facilitar de nenhuma forma a indisciplina, muito menos aquela insurgência contra o Estado e suas instituições e discordou da anistia de Juscelino aos revoltosos de Jacareacanga e Aragarças.
Sim, o General Lott foi contra a anistia.
Candidato a Presidente da República, em 1960, recebeu meu voto. Naquela época dizia-se que o Exército era o povo fardado.
O General Lott foi contra a anistia.
POR FERES SABINO