SUSPENSÃO DE CNH: a Retroatividade da Lei à favor do condutor e Art.261 do Código de Trânsito Brasileiro
Atualmente, utilizamos a carteira nacional de habilitação para quase todas as tarefas do cotidiano. Alguns precisam da habilitação para poder ganhar o seu próprio sustento, outros para poder se locomover até o trabalho, e há também quem necessita de alguém devidamente habilitado, como por
exemplo, para entrega de produtos e locomoção. Justamente pelo fato de a habilitação ser tão essencial na nossa vida, é que não podemos ficar sem ela.
Ocorre que, para poder manter a habilitação, há regras que todo condutor precisa seguir, e elas estão regulamentadas na Lei n.o 9.503 de 23 de setembro de 1.997, sendo conhecido como o Código de Trânsito Brasileiro. Entre todas as normas, certamente uma das mais temerosas pelo condutor é a suspensão do direito de dirigir, prevista no artigo 261 da referida lei.
No Brasil, a suspensão do direito de dirigir é imposta quando o infrator atingir, no período de doze meses, vinte pontos, nos casos que contém duas ou mais infrações gravíssimas; quando atingir trinta pontos, caso conste uma infração gravíssima na pontuação ou quarenta pontos, se não constar nenhuma infração gravíssima.
Entretanto, nem sempre foi assim, as medidas impostas foram alteradas recentemente pela Lei n.o 14.071 de 13 de outubro de 2.020, sendo que antes bastava o infrator atingir vinte ou mais pontos em um prazo de até doze meses para ter o seu direito de dirigir suspenso, além dos casos expressamente previstos em lei.
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O que muitos não sabem, é que, em alguns casos, quando há mudanças na legislação brasileira, e a nova lei for mais benéfica ao infrator, este poderá
requerer a sua retroatividade, para que responda de acordo com a nova norma jurídica, desde que o processo administrativo ou judicial ainda não esteja finalizado.
No caso da suspensão do direito de dirigir, se um infrator for suspenso do direito de dirigir por possuir mais de vinte pontos na carteira de habilitação
em um prazo de até doze meses, sem nenhuma infração gravíssima, e durante o processo administrativo ou judicial, entrar em vigência a nova lei que modifica a norma jurídica, favorecendo o infrator, este poderá pedir pela retroatividade da lei, respondendo de acordo com a nova legislação, em razão da exclusão da tipicidade.
Em caso recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo assim proclamou: TRÂNSITO. APLICAÇÃO RETROATIVA DE SUPERVENIENTE LEI BENIGNA. Embora não se reconheça, quanto à retroatividade extrapenal in bonus, a mesma evidência com que se regem os efeitos das leis penais pósteras agravantes que rematam ordinariamente em sólida vedação de retroatividade in peius , é de entender que as sanções extrapenais punitivas também atraem a
retroatividade benigna da normativa, porque, em princípio, nenhum fundamento jurídico ou político parece apontar-se em favor de que o estado,
diante de situações essencialmente símiles, estatua novas punições abrandadas, mas continue a infligir ainda antigas e mais graves penalidades, afastando-se, desse modo, da igualdade prevista no âmbito constitucional. Não provimento da apelação e da remessa necessária, que se tem por interposta”.(Apelação Cível nº 1006756-14.2021.8.26.0344, 11ª Câmara de Direito Público, Relator RICARDO DIP, data do julgamento 21 de junho de 2022).
A garantia da retroatividade da lei mais benéfica possui fundamento no artigo 5.o, inciso XL da Carta Magna, que prevê que a lei não retroagirá salvo
para beneficiar o Réu. No entanto, a aplicação no Código de Trânsito Brasileiro se dá pelo fato da proximidade que as penalidades administrativas possuem com o direito penal. O Código Tributário Nacional também autoriza a retroatividade da lei, nos casos que a lei for meramente interpretativa, ou quando a nova norma jurídica for mais benéfica para o contribuinte.
Para o doutrinador José Afonso da Silva( SILVA, José Afonso da. “Comentário contextual à Constituição”. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 138.) ,
não é justo e nem jurídico alguém ser punido e continuar executando uma pena, só pelo fato de ter praticado o fato anteriormente da lei nova, se a nova lei não é mais necessária à defesa social a definição penal do fato (SILVA, 2.005).
No entanto, é preciso observar a irretroatividade das leis, prevista tanto no artigo 6.o da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, quanto no
artigo 5.o, inciso XXXVI da Carta Magna, pois se tratar de ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada, a nova lei não poderá retroagir em casos pretéritos. Do mesmo modo, se a nova lei for mais gravosa ao individuo, esta não retroagirá prejudicando-o.
O Desembargador Relator Souza Nery, do mesmo Tribunal Paulista , ao julgar a Apelação Cível 1020201-98.2021.8.26.0506, decidiu com os fundamentos da retroatividade da lei mais benéfica, anulando o processo administrativo com base na nova norma prevista no ordenamento jurídico: APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. Pretensão de aplicação retroativa da Lei Federal nº 14.071/20 que alterou o Código de Trânsito Brasileiro de modo favorável aos condutores, aumentando o limite de pontos para a imposição da penalidade de suspensão ao direito de dirigir. Possibilidade. Aplicação do artigo 5º, XL, da CF. Retroatividade da norma mais benéfica. Direito Administrativo Sancionador. Manutenção da penalidade ao motorista que não se mostra razoável diante da alteração legislativa. Anulação do procedimento administrativo. Sentença de concessão da segurança mantida. RECURSOS OFICIAL E VOLUNTÁRIO NÃO PROVIDOS. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1020201-98.2021.8.26.0506; Relator (a): Souza Nery; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro de Ribeirão Preto – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 10/03/2022; Data de Registro: 10/03/2022).
Portanto, caso um processo administrativo ou judicial esteja em andamento, e entre em vigência uma nova norma jurídica que favorece o infrator, este poderá requerer pela retroatividade da lei. No entanto, é necessário lembrar que não são todos os casos que a legislação brasileira permite a retroatividade da lei, sendo uma exceção à regra.
SIMONE PEREIRA RODRIGUES. Advogada
VINICIUS BUGALHO. Advogado. Pós-graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.