É preciso separar o joio do trigo e o metanol do etanol
Getting your Trinity Audio player ready...
|
POR Maurilio Biagi Filho, empresário
Nas últimas semanas, a Operação Carbono Oculto, conduzida pela Receita Federal e pela Polícia Federal, tomou conta do noticiário. Segundo as autoridades, o núcleo financeiro de um esquema bilionário de sonegação e lavagem de dinheiro no setor de combustíveis era comandado por integrantes de um grupo suspeito e estava concentrado na região de Ribeirão Preto. Foram 1.400 agentes mobilizados em oito estados, com dezenas de alvos só em cidades como Ribeirão Preto, Jardinópolis, Pontal e Barretos.
Resolvi escrever este artigo quando li e ouvi uma das análises mais lúcidas e didáticas que acompanhei, a do consultor de agronegócio da Markestrat e produtor rural José Luiz Coelho, a quem agradeço pela autorização de reproduzir trechos de sua entrevista à CBN Ribeirão Preto. Faço isso para contribuir com as elucidações desse episódio que acabaram por provocar distorções, que se não bem explicadas, podem comprometer a imagem desse setor tão importante.
Diante desse cenário, é natural que consumidores fiquem assustados, questionando a seriedade das empresas, em especial, das usinas/destilarias da nossa região. É preciso serenidade e clareza para que não se coloque tudo no mesmo balaio. É hora de separar o joio do trigo e, no caso em questão, o metanol do etanol. Não podemos deixar que narrativas infundadas ganhem corpo e se tornem um problema real.
Como destacou Coelho, se confirmadas todas as suspeitas, a participação de empresas do setor sucroenergético ligadas a esse esquema representa algo em torno de 2% da cana processada no Centro-Sul. Estamos falando de aproximadamente 12 milhões de toneladas em um universo de 660 milhões previstas para esta safra.
O consultor lembra ainda que o grande volume da fraude não vinha do etanol de cana, mas sim de importações ilegais de metanol pelo Porto de Paranaguá. Enquanto o etanol é seguro, renovável e ambientalmente correto, o metanol é nocivo à saúde e ao meio ambiente. Ainda assim, ele era introduzido no mercado como se tivesse origem em nossa região.
Isso me fez lembrar de uma tentativa frustrada de misturar o metanol à gasolina, ocorrida em 1989/1990, que não vingou e foi completamente repudiada. Esse projeto-piloto praticamente morreu no ninho e foi rapidamente interrompido. E o motivo principal foi justamente as preocupações com a saúde da população em geral, especialmente dos frentistas, que não teriam condições de seguir todos os protocolos de segurança necessários. Muitos deles passaram mal, desmaiaram. Ver isso acontecer 35 anos depois, de maneira fraudulenta, é lamentável.
- Publicidade -
Outro ponto fundamental a ser considerado: os fraudadores não plantam cana, não colhem, não geram emprego, não investem em tecnologia. O que ocorreu, segundo apuração inicial, foi a exploração de empresas em dificuldades, que acabaram cedendo espaço para operações ilícitas. Mas as investigações estão só começando e tem muito trabalho pela frente para esclarecer os fatos. De qualquer forma, mesmo que tudo se comprove, a esmagadora maioria — 99% da cadeia produtiva — continua trabalhando com responsabilidade, sustentabilidade e transparência.
É justamente por isso que não podemos permitir que generalizações infundadas maculem a imagem de um setor que é referência mundial. O sucroenergético não apenas produz açúcar e etanol, mas também bioenergia, biometano e soluções que projetam o Brasil como protagonista na transição energética. Por isso, quem é sério, vê essa apuração com bons olhos, assim como deixaram claro, em comunicado conjunto enviado à imprensa, as entidades Bioenergia Brasil, o Instituto Combustível Legal (ICL), o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (SINDICOM) e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA).
A lição que fica é clara: comunicação é tudo em momentos de crise. Se não explicarmos com dados, análises e transparência o que de fato acontece, narrativas superficiais podem virar verdades e prejudicar consumidores, empresas sérias e toda a economia regional. O setor não deve se calar nunca, pelo contrário, tem que continuar se posicionando firmemente, mostrando o seu valor.
O momento exige responsabilidade redobrada. Separar o joio do trigo significa reconhecer que problemas existem, mas que eles não podem apagar a relevância e a seriedade de um setor que gera milhares de empregos, movimenta nossa economia e contribui para o futuro energético do país.