A destruição da linguagem
O fenômeno bolsonarista tem servido de muito estudo e reflexão, pois eclodiu como se fosse um ato repentino e fora de qualquer processo em curso.
Na verdade, a nostalgia— “um afeto que combina amargura da perda e a sensação de desencaixe com o momento no qual se vive” — predominante em franjas eloquentes da sociedade, em relação às políticas adotadas, encontraram no discurso desconexo, com louvações à prática da violência, e sua cuidadosa preparação do meio para se chegar a um passado glorificado, mas inexistente, como é o que prega o retorno à ditadura, como oásis de segurança e do conforto da cidadania.
O livro “Linguagem da Destruição -A democracia brasileira em crise”, lançado pela da Companhia das Letras encerra três ensaios dos autores Heloisa M. Starling, historiadora, Miguel Lago, cientista político e Newton Bignotto, filosofo, os três membros da universidade pública brasileira, e que fazem a análise do discurso sobre a realidade política e social sob a presidência do “negacionista”, que serviu para construir o caos. Analisar a linguagem oficial passa pela narrativa adotada para cada fato. E nesse ponto eleva-se, por exemplo, a conduta do governo durante a pandemia, entremeada de frases de comparações chulas, por parte do inelegível, pouco importando-se com o número de mortes, muito menos com a pressa apressada da compra de vacinas.
O bolsonarismo não se enquadra, nos conceitos tradicionais de nazismo, fascismo ou cesarismo tradicionais, mas fica nas suas cercanias, com aspectos novos, que não indicam nenhum projeto de governo capaz de dar segurança de propósitos aos adeptos desse movimento, cujo característica talvez desvele a dificuldade que o Bolsonaro teve em formar um partido político.
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Se o nazismo no seu início procurou conquistar a opinião pública, melhorando as condições de vida, o inelegível nada fez nesse sentido, durante seu governo. Optando pela propaganda ideológica, com suas ideias desconexas, destrutivas de instituições e de pessoas, civis e militares, ignorando politicamente a intermediação dos partidos políticos, e com a preferência do contato direto com a população, através das redes sociais e do cercadinho que ocupava como tribuna, nas manhãs de sua saída do Palácio da Alvorada, quando inflava sua utopia regressiva.
O ataque calculado ao Supremo Tribunal Federal é o ataque ao Poder que estabelece limite, na atuação das pessoas e dos demais Poderes. E essa volúpia integra o “projeto” anunciado desde o início por ele mesmo: veio para destruir e não para construir. É pedagógica a lembrança anotada por Bignotto: “O elogio que Bolsonaro fez da morte de trinta mil pessoas, no curso de uma operação policial no mês de maio de 2021 no Rio de Janeiro mostrando que a morte é o centro gravitacional de seu poder” (p.147).
O apelo ao confronto com os “comunistas” ressuscita um fantasma, muito querido pelas elites brasileiras, que lhe emprestam o esqueleto e a alma, para assustar os incautos, porque ele não mais existe. Assim, recomenda-se não confundir espírito crítico com comunismo.
Esse ódio ao iluminismo dos Direitos Humanos canta frequentemente “O Brasil acima de tudo”, que, aliás, tem um longo percurso histórico, já que faz parte da “A canção dos alemães”, composto em 1841, quando da disputa territorial entre Prússia e França, e sua melodia é idêntica à uma composição de Joseph Haydn, feita em 1797. Os nazistas se apoderaram da canção, em 1930. Ela foi adotada no Brasil em 1966, introduzida na Brigada de Paraquedista, por jovens oficiais que integravam um grupo paramilitar Centelha Nativista, que na origem adotava esse brado. “Grupo dessa natureza –como a Aliança Anticomunista Brasileira ou Grupo Secreto foram gestados nos quartéis e órgãos de informação e segurança das Forças Armadas e consistiram no principal foco de ativismo das fações da linha dura, durante a ditadura iniciada em 1964. A Centelha Nativista era formada por capitais, majores e coronéis do Exército organizados em torno de repertório ideológico bem definido pela “segunda linha dura”. Alegravam proteger a “democracia” contra o marxismo e o comunismo, estavam dispostos a lutar contra a subversão, pretendendo resgatar os ideais da “Revolução de 64”, que entendiam terem sido traídos pelos governos dos generais” (Heloisa Murgel Starling”, p.109)
“O grupo Nativista abrigava-se na Vila Militar e dedicava-se ao ativismo político quanto à execução de ações armadas (idem p.110)”.
Se esse precedente explica a vertente golpista de militares, tem-se ainda a história do Partido Nazista da Alemanha que estendeu seus tentáculos para 83 países, instalando seções, no exterior. A maior delas com 290 integrantes oficiais era a seção do Brasil. Tivemos o Partido Nazista do Brasil que funcionou de 1928 a 1938.
O ex-presidente Bolsonaro om seu discurso desconexo e destruidor, propagando a utopia regressiva, que nunca existiu, seguramente encontrou eco no subterrâneo provindo da ditadura e que emergiu na vida nacional, com as sementes pervertidas do Partido Nazista do Brasil, e que a democracia, sempre ameaçada, tenta arrancá-las, como rebotalho, para limpar de vez os tropeços de nossa redenção, como país soberano, democrático e justo. Afinal “… o comunismo é um fantasma retórico usado por demagogos de várias tendencias políticas, como arma ideológica, sem nenhuma correspondência com o quadro geopolítico global” (idem p. 128 Newton Bignotto).