Pelé e Merchior
Sérgio Roxo da Fonseca
Advogado, membro da Academia Ribeirãopretana de Letras, Procurador de Justiça (aposentado), professor universitário (aposentado)
Na minha formação secundária recebi extraordinárias lições no âmbito das línguas portuguesa e francesa ministradas pelas professoras Luci Julião, Lea Florianete de Oliveira e Neusa Micheletti. Compunham o quadro de mestres do antigo Ginásio do Estado de Ribeirão Preto, hoje rebatizado com o nome de Instituto de Educação Otoniel Mota. Na época, não sei dizer a razão, não se dava ainda grande importância para a língua inglesa. Assim fui levado a ler muitos livros da literatura portuguesa e francesa. Pouco ou nada da literatura inglesa.
Ao ingressar na faculdade tive contato com os livros clássicos da coleção inglesa, até que fui surpreendido com a notícia de um livro moderno, escrito pelo irlandês James Joyce: “Ulisses”, inspirado no grego Homero. Os críticos consideravam o “Ulisses de James Joyce como a obra máxima do século XX, especialmente porque o autor reconstruiu sua inspiração valendo-se de uma notável recriação “linguística”.
Era o ano de 1960. Já na Faculdade de Direito, numa manhã, ingressando na sala de aula, percebi que sobre a carteira do meu colega do lado, estava o “Ulisses” de Joyce. Perguntei onde havia comprado. Respondeu-me que encontrara a obra em Portugal. Na oportunidade, examinei rapidamente o livro antes de devolvê-lo.
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O colega para mim até então desconhecido, perguntou-me onde encontrara notícia sobre aquela obra, ainda não traduzida e nem publicada no Brasil. Respondi que havia lido no Jornal do Brasil alguns textos assinado por um tal José Guilherme Merchior. Ele timidamente acrescentou que ele era o José Guilherme Merchior que escrevia para o Jornal do Brasil. Fiquei surpreso.
Logo depois soube que o Merchior naqueles dias havia sido aprovado em primeiro lugar no vestibular do Instituto Rio Branco, pois pretendia ser diplomata. Outros quatro colegas de classe também desejavam abraçar a carreira da diplomacia.
O diplomata José Guilherme Merchior notabilizou-se escrevendo obras alinhadas ao liberalismo econômico e político. Foi considerado o mais notável diplomata brasileiro do século XX. Chegou a ser o embaixador do Brasil na UNESCO. Foi membro da Academia Brasileira de Letras. Nasceu em 1941 e faleceu em 1951 em Nova York.
Anota-se que o romance “Ulisses” foi traduzido duas vezes no Brasil. A primeira tradução foi realizada pelo também brilhante diplomata, professor e escritor Antônio Houaiss.
A história registra que naqueles tempos, um jogador de futebol, chamado Pelé, jogando pelo Santos no Maracanã, havia driblado toda a defesa do Fluminense, chegando mesmo a empurrar a bola para o interior das redes do goleiro Castilho. Até mesmo a torcida do Fluminense, dizem os especialistas, aplaudiram o gol do Pelé.
O Brasil foi surpreendido com Merchior e com Pelé. Dois gênios diziam. O jornalista, teatrólogo e escritor Nelson Rodrigues nos jornais brasileiros registrou a existência dos “gênios”. Dizia Nelson Rodrigues que os gênios já nascem “gênios”. No curso de suas vidas nem melhoram e nem pioram em sua genialidade. Acrescentava que em sua já longa vida havia conhecido dois gênios no Brasil: Pelé e Merchior.
Pelé, quando nasceu em 23 de outubro de 1940 já dominava a bola com a genialidade que o acompanhou até a data do seu falecimento, no final do ano de 2022.
Por sua vez assinalou o jornalista que José Guilherme Merchior (22.01.41-07.01.91), no exercício de sua genialidade, desde o seu nascimento “já chorava em cinco idiomas diferentes”.