A Ordem do Dia
Esse título é o do livro de Éric Vuillard, que tusQuets Editores lançou em 2019, com tradução de Sandra Stroparo. Trata-se de um romance histórico, cuja narrativa inicia-se com a ascensão nazista, apoiada pelos padres da indústria alemã, que estão no divino mercado até hoje.
São vinte e quatro empresas cujos donos, convidados para um jantar, no dia 29 de fevereiro de 1933, entregaram a ajuda financeira ao partido nazista, que empolgava o poder político. Dessa situação a contrapartida foi sinistra, já que alugaram para suas empresas mão de obra barata composta de populações deserdadas e perseguidas, e a submissão foi tanta que durou todo o tempo de crescimento e de imposição do nazismo, com sua ostentação de paradas militares e estandartes esfuziantes, até a antevéspera de sua ruína histórica. O exemplo dessa liderança sinistra fixa-se em Gustav Krupp, talvez quem mais se aproveitou da mão de obra “alugada” de deportados, em Buchenwald, em Flossenbürg, em Ravensbrück, em Sachsenhausen, em Auschwitz, e em muitos outros campos. Os campos de concentração e exploração continuada, até os fornos crematórios, nos quais os corpos eram especialmente de judeus.
No estilo primoroso do autor, ele descreve o jantar, ocorrido em 1934, em que o velho Gustav Krupp, já “imbecilizado sem retorno” há muito tempo silencioso, inconsciente e senil, naquela noite “no meio da refeição, se endireitou bruscamente e segurando o guardanapo contra si com um gesto cheio de medo estendeu um longo dedo magro para o fundo da sala, para além de seu filho e resmungou: ‘Mas quem são todas essas pessoas?’”.
“O canto estava mergulhado na sombra. Parecia que a obscuridade se mexia, que silhuetas rastejavam lentamente na escuridão… Ele viu olhos enormes, figuras saiam das trevas. Desconhecidos. Ele sentiu um medo atroz. Ficou em pé petrificado. Os empregados se imobilizaram. As cortinas pareciam de gelo. … E o que ele viu, o que se ergueu lentamente da sombra, eram dezenas de milhares de cadáveres, os trabalhadores forçados que a SS tinha fornecido para suas fábricas. Eles saíam do nada”.
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O plano era invadir a Áustria e a Tchecoslováquia primeiro.
Mas a invasão da Áustria a rigor fora um fiasco. Aliás, a população a esperava, há cinco anos, pois, era a terra natal de Hitler. Mas se diz um fiasco porque a fileira dos tanques Panzer, que seria a razão da guerra fulminante, móvel e rápida, apresentaram tais e tantos defeitos de fabricação, que ficaram enfileirados na fronteira, atrasando a chegada triunfal em Viena.
A rigor, nem precisava da invasão, pois, o poder político da Áustria, já assaltado pelos nazistas, por escolha antecipada, arrogante e impositiva.
Goering, o Ás da aviação da primeira guerra mundial, até marcou hora, dezenove horas e trinta, daquele dia para que a autoridade austríaca nomeasse o chanceler, que por coincidência era seu cunhado. Não faltou a arrogante ameaça, para apressar o cumprimento da ordem, pois “…uma invasão pode desabar sobre a Áustria”, frase essa que “era associada a imagens terríveis”. E assim, “Hitler fez uma turnê triunfal pela Áustria”.
Ameaça, violência, quebra-quebra, arrogância, considerar as leis como estorvo à volúpia do poder, sobre o qual elas impõem limites, constituem os instrumentos da ação nazifascista (PSDAP – Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), para destruição do poder político democraticamente constituído.
No Brasil, com o golpe de Estado de 1964, na vigência da guerra fria, fluiu o tratamento de inimigos aos opositores do regime, e empresários nacionais e empresas internacionais colaboraram efetivamente para a ingovernabilidade do país, inclusive instituindo pessoas jurídicas como IPES (Instituto de Pesquisas e Ações Sociais e IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), ambas instituídas sob a atenção do general Golbery de Couto e Silva, sendo que muitos empresários prolongaram sua participação mantendo os aparelhos de repressão política e torturas. O IBAD foi objeto de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) inconclusa, mas fechada judicialmente depois dela. O general Ibiapina comunicou ao General Castelo Branco que o IBAD mantinha ligações com a Central de Inteligência Estadunidense (CIA). A comparação com a situação brasileira atual de ameaças às instituições e aos Poderes da República já registra parte significativa do empresariado defendendo a Democracia e as instituições do Brasil, como as que se manifestaram sobre o mesmo motivo em torno do dia 11 de agosto.
Feres Sabino – Advogado