Feres Sabino: O general canhoto
O processo nº 020.474/2017-2 do Tribunal de Contas da União refere-se ao Relatório de Natureza Operacional, sobre a compra realizada em 2009, com dispensa de licitação, de 2.044 veículos blindados ao custo de R$5,4 bilhões, para nosso Exército. Para o Tribunal, que já reconheceu o dano aos cofres públicos, no valor de R$ 273 milhões, esse processo é uma verdadeira batata quente nas mãos dos julgadores, mostrando o tratamento desigual, quando se julga civis ou militares.
Em 29 de junho a reportagem do The Intercept de Rafael Neves registra que faltava decidir sobre as sanções aos responsáveis. O primeiro contrato de 2009 encerrou-se, celebrando-se outro em que o número de veículos era 20% menor, ou seja, 1.580, ao custo de R$ 5,9 bilhões. O prejuízo está aqui, recebendo menos veículos e pagando mais.
No caso, são quatro generais da reserva, que seriam responsáveis pela compra gigantesca de veículos militares da Iveco.
Quando alguém despertou, viu-se que o gigantismo dos números dos veículos era tão grande que não haveria espaço para guardá-los, e nem deixá-los para enferrujar. Esse fato nos lembra o Xá do Irã, deposto e corrido, quando comprava montanhas de veículos e armamentos, só para agradar a fábrica bélica dos norte-americanos que os garantia no Poder.
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O fato é que o prejuízo foi enorme. Como é possível um erro grosseiro de tal intensidade, quando as compras, mesmo as que dispensam licitação, devem apresentar um prévio levantamento das necessidades, para não acontecer o que aconteceu?
A Iveco reduziu o número da entrega dos veículos, mas não concordou em receber menos dinheiro sob o pretexto que tivera de montar uma fábrica para atender a encomenda da fabulosa licitação.
Diz a reportagem que leio, que o ministro relator estava estudando uma forma de aplicar módicas multas para que os responsáveis não ficassem sem chumbo, mas em relação ao maior responsável, os auditores propunham que ficasse impedido de ocupar cargo público.
Falar em cobrança de reparação é um disparate, no caso concreto, porque os generais da reserva recebem, como aposentadoria, somente 23 mil reais. Mesmo se o salário fosse justo, ainda assim o valor do prejuízo continuaria irreparável? E se o responsável fosse um civil o tratamento seria igual? A imprensa não dá destaque algum a essa ocorrência.
Mas pelo menos devemos retirar e esgotar a lição sugerida pelo grave acontecimento.
Assim, isso acontece, no mundo civil e no mundo militar. O metro de julgamento que vale para um deve valer para outro. Mais, o ambiente militar deve ser tão aberto e ventilado, como aberto e ventilado deva ser qualquer espaço civil.
A lição é de que o mundo é mundo sem semideuses.
E também não deve existir desculpa esfarrapada ou mentirosa, como a do militar responsável pelo prejuízo, que declarou bisonhamente que a culpa era da esquerda.
Ora ideologizar um erro pessoal, lançando a responsabilidade a um designativo genérico, sem mínima ligação com o fato, é tão igual como confessar o erro bisonhamente. É seguir a moda do preconceito político fabricado – para o qual qualquer crítica ou opinião contrária, em qualquer setor, recebe o designativo de esquerda, mas como se ela fosse a palavra mágica da condenação do ser imoral, abjeto, traidor, quinta-coluna. A intenção é pobremente essa, já que historicamente “esquerda” significa oposição ao governo.
O general da reserva, responsável pelo prejuízo, só estaria a salvo dessa bobagem declarada se ele dissesse claramente que ele é canhoto, e seu braço foi acionado por um “encosto” de mau caráter, para aquela assinatura naquele documento de ética podre.
Os erros humanos não escolhem vestimenta, nem selecionam ideias.