A atualidade do bispo do século IV
Nem mesmo naquele tempo virtuoso em que eu estava próximo da doutrina social da igreja, para aprender a distinção entre o humanismo cristão e o humanismo marxista, sob o testemunho missionário do padre Celso Ibson de Syllos, não me dera conta da existência histórica de São João Crisóstomo, um bispo de Constantinopla, lá no século IV, cujos sermões revolucionários serviram de motivo para ser ele exilado, justamente naquele período, em que o cristianismo passou a ser de religião aceita, para logo depois se tornar a religião do Império Romano (384). Mas recentemente Mario Palumbo dele me contou incisivamente, mas com a ternura de seu espírito.
Veio depois a live de Eduardo Moreira, esse engenheiro, ex-banqueiro de investimentos, autor dos livros Desigualdade e Economia do Desejo, que um dia resolveu largar tudo e conhecer o Brasil. E para ingressar nessa intimidade, histórica, social, humana e cívica, foi visitando e dormindo em aldeias indígenas e acampamentos do Movimento Sem Terra, descobrindo, não só o seu humanismo não totalmente aflorado nele, como também o conduziu ao dever autoimposto de adotar tecnologias de informações, para conscientizar as pessoas e pregar a solidariedade do ser humano, que existe independentemente de qualquer bandeira, religiosa ou política, já que o ser humano é a imagem e a semelhança do outro.
Mas essa live, a que não pude assistir, teve a participação do Pe. Júlio Lancellotti, cuja experiência missionária dedicou-se sempre aos moradores de rua, e ninguém é melhor testemunha do que aquele que sabe, conhece e sabe viver o infortúnio alheio, visitando-o diuturnamente, e o assume como razão e sentido de seu magistério.
A live contou ainda com o Pe. Leonardo Boff, o teólogo cassado pela igreja que continuou, já casado, sua vida, falando, escrevendo, professando sua fé, como mestre da teologia da libertação, aquela rejeitada pelo Papa que não assumiu, no plano temporal, o fermento da igreja no íntimo da carne viva da injustiça. Ele se desligou dela, mas só formalmente.
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Essas pessoas se somaram para o lançamento do precioso livro, sob o título A Riqueza e a Pobreza, editado pela editora Paz e Terra, cujo conteúdo compõe-se de quatro sermões do bispo São João Crisóstomo, que verbaliza a história de Lázaro, encarnação de todas as misérias físicas, sentado à porta da rica mansão, por cuja porta circulava o dono da arrogância e das riquezas.
Lázaro, paupérrimo, mas proprietário de mil doenças, sentado ali diariamente era uma pessoa invisível.
A reflexão de Lázaro é atualíssima.
O Brasil, rico até em terra, sol, ar, água, vento, é o nono país do mundo, em desigualdade social. Com os pretextos mais infantis, donas das superfícies das análises sociais, as nossas classes abastadas, nossas lideranças civis e militares, não sabem como e qual política fazer para atender os milhões de lázaros, que estão à porta de nossa consciência, forçando para despertarmos para um patamar de redenção social, na liberdade e na justiça, pagando com a compreensão criadora e solidária esse passivo social. No fundo, é o medo da perda de privilégios históricos, que fecha o olhar e embrutece a consciência.
São João é absolutamente radical, dizendo ser fruto de crime o que sobra daquilo que é necessário para viver.
Tão atual ele é que, hoje, os cretinos o chamariam de comunista, e São João é do século quarto, teria morrido no ano 407, e Karl Marx viveu e morreu no século XIX.