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Mar do Sertão

Sérgio Roxo da Fonseca  – Procurador de Justiça (aposentado), membro da Academia Ribeirãopretana de Letras, professor e advogado. 

Tais Costa Roxo da Fonseca  – Advogada 

“Mar do Sertão” é o nome da extraordinária novela que está sendo transmitida no início da noite pela TV Globo. Como o nome anuncia trata-se de composição artística que pretende retratar o nordeste brasileiro numa época em que surgem fatos novos tais como a transmissão eletrônica do jornalismo pelo telefone celular, como também a substituição das autoridades particulares por autoridades públicas. Com tudo isso, trata-se de texto marcadamente irônico. 

 Desnecessário dizer que os artistas vivem o seu papel como se estivessem vivendo numa pequena cidade onde todos se conhecem publicamente e não se conhecem intimamente, sob as regras dos “novos tempos”. Dificilmente é possível destacar um artista e o seu papel. Tentaremos, no entanto, encontrar um notável exemplo. 


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O nome dele é Pondé, parece-me.  Homem comum que se relaciona com todos e por tudo. Muito pobre é dono de um burrico apelidado de “chopecenter”. Sem que ele perceba, a tornozeleira eletrônica amarrada na canela do prefeito condenado dali é retirada e instalada na canela do “chopecenter”. Como retirar a tornozeleira da canela do burrico “chopecenter”? O artista que faz o papel de Pondé é filho de família ilustre de Ribeirão Preto. 

É bem verdade que uma comunidade grande ou pequena, nordestina ou sulista, comunica-se quase sempre com as leis de convivência. Os fatos são muitas vezes chocantes, como o aparecimento de uma santa na igreja, ou uma epidemia assassina como a que brutalmente atacou os brasileiros. 

 No entanto, os homens, as mulheres e as crianças criam um alfabeto mudo pelo qual transmitem as regras de suas tristezas e de sua alegria, para solucionar seus passos, suas glórias e até mesmo os seus fracassos. O sertão vai virar mar. Ou não vai? 

O “Mar do Sertão” traz do fundo da nossa memória a novela “O Bem Amado”, escrita por Dias Gomes, que retrata a pequena cidade administrada por um prefeito que elegeu como obra máxima da sua gestão a inauguração de um cemitério novo. Instala-se na alma do prefeito uma angústia sem fim: nenhum munícipe morre impedindo a cerimônia inaugural do cemitério. O que fazer? Matar alguém? O prefeito morre e seu corpo abre espaço para inaugurar o novo cemitério.  

Dias Gomes, entre outros, teve uma vida heroica, pois, em virtude de sua obra e de sua inclinação cultural, converteu-se, em vários momentos, em objeto da furiosa censura então existente, documentando historicamente o flagelado padrão artístico da nossa convivência. O direito à liberdade do pensamento ainda nem sempre está resguardado pelo texto constitucional segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma senão por imposição de lei formal e materialmente considerada. 

Ainda é de registrar que as músicas de fundo dessas novelas nascem da arte nordestina. Os historiadores demonstram que os judeus valeram-se do território brasileiro para viver antes mesmo de qualquer outro canto. Os judeus deixaram no Brasil, especialmente suas músicas das quais uma delas é o “baião”, recomposto por Luís Gonzaga, e o pano de fundo do “Mar do Sertão”. 

O “Mar do Sertão” retrata em imagem e em som os passos de Jorge Amado, Luís Gonzaga, Arino Suassuna, Maria Betânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre tantos outros. 

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